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Atitude, insight e foresight

Minha imersão em inovação começou faz tempo. Mais precisamente em 1994. Foi quando abri minha primeira conta de e-mail, naveguei no Netscape e aprendi a usar o Windows 3.1 (com mouse!) na recém-inaugurada sala de micros da faculdade. Foi o ano em que comecei a minha primeira iniciação científica, leveduras e fermentação. Em 1994 vi pela primeira vez alguém conseguir uma namorada pela internet! Tempos de chats, ICQ e carinhas desenhadas na unha mesmo :-)
Foi também o ano em que acabou a produção de discos de vinil no Brasil. Eu gostava dos vinis. Ainda gosto, tenho muitos em casa até hoje. Por muitos anos ficaram baratos nos sebos!
A supremacia do CD era evidente e parecia que duraria para sempre. A propaganda era essa: som digital para sempre. Talvez você ainda tenha alguns CDs empoeirados ocupando espaço e aposto que vários já descascaram e não tocam mais.
O resumo da história é que em 25 anos presenciamos no mercado da música uma sequência quase didática de inovações disruptivas. O CD, surpresa, durou menos do que o vinil. Em 99, não sei você, mas eu usei e abusei do Napster. Entupi muitos HDs com mp3. E assim que apareceu o Nero e os CDs graváveis começou a rápida obsolescência do álbum comprado na loja e das próprias lojas. Mais que isso: zuou todo o modelo de negócio da indústria da música.
Para tentar salvar o copyright e os direitos autorais entrou em cena o iTunes e o iPod (e há quem diga que foi desse veio que surgiu depois o iPhone e o todo o resto que define o mundo como o conhecemos hoje). E como o iTunes era muito chato, acabou ele próprio sendo substituído pelos serviços de streaming tipo Spotify.
A transformação digital vem em ondas
Por trás da história que liga os discos de vinis ao Spotify a constante é a penetração do digital. Primeiro nos estúdios de gravação, depois substituindo a mídia, depois as estruturas de mercado e por fim (ou melhor, por ora) diluindo toda a materialidade em dados, nuvem, pay-per-use e robôs de recomendação.
Em cada fase, o entrante da vez tem certeza de que será definitivo. Só que não. Enquanto restar algo a ser digitalizado, assim será. Talvez a próxima etapa seja substituir os artistas. Você poderá escolher: música feita por IA de graça ou versão paga feita por um artista. A transformação não pára onde você gostaria que ela parasse. Cedo ou tarde a disrupção te pega na curva.
Por sorte, ou azar, uma disrupção me atingiu desde lá de atrás com o fim dos vinis. Desde então, venho tentando aprender com isso. Sempre tem ganhos para uns e perdas para outros. Aprendi que para lidar com inovação preciso de uma ioga, três práticas cotidianas: atitude, insight e foresight.
Atitude
Inovação é mudança e é melhor você estar preparado para mudar. Mas não é mudar por mudar, ou virar o nerd maníaco early adopter de tudo o que aparece. O importante é examinar em si mesmo qual é a sua reação à mudança. Especialmente frente aquelas que te prejudicam ou desagradam mas fazem parte das ondas de impacto que as inovações provocam.
Aprendi a cultivar uma “predisposição crítica” ao novo e à mudança. Querer e buscar a mudança para melhor e tentar sempre me antecipar. Estar bem posicionado é fundamental neste jogo. Fugir ou reagir negativamente às mudanças acaba te colocando para fora do campo (e às vezes do estádio). Você precisa cultivar o seu propósito. Mudar por ele, evoluir apesar do mundo nem sempre te ajudar. Mudar inclusive para preservar o que te define.
Insight
Estar emocionalmente aberto às inovações não é suficiente. Precisa também exercitar a compreensão do que está acontecendo, as causas e as consequências. Precisa ler, ler muito, refletir, conversar.
Entender que se a mudança vêm em ondas muitas certezas podem não durar mais do que os ciclos dessas ondas. Perceber que a atual polarização de ideias e ideologias e o modo imperativo que empesteia as redes sociais são consequências desta fase da transformação digital do mundo.
Insight tem a ver com melhorar e estratificar a compreensão, separar o superficial do profundo. Pensar sobre as causas profundas e entender como funcionam seus mecanismos. E a dica é: o impacto da digitalização é profundo e está longe de terminar. Pense nisso. Estude isso! (ops, desculpe pelo imperativo…)
Foresight
Entendidas as forças atuantes no presente resta entender para onde ir, como ir e porquê ir. O futuro não está definido e podemos atuar nele se estivermos bem posicionados, com atitude e insight desenvolvidos. Saber ler a tendência (IA já faz música e isso vai evoluir a ponto de substituir grande parte dos compositores e artistas), conectando com as megatrends que estão atuando ao fundo (software is eating the world), e procurar por cenários desejáveis dentre os possíveis.
Foresight é antecipar-se, co-criar o futuro alinhando possibilidades e propósitos. É construir uma visão e trabalhar para executar os muitos pedacinhos necessários para (talvez) realizá-la. Praticar foresight nos coloca em permanente estado de ambiguidade e de convivência com a incerteza. Por isso tem que estar sempre temperando com atitude e insight.
Essa é a minha ioga da inovação. Calibrar diariamente o emocional, o racional e o intencional. Ou se preferir: o propósito, a compreensão e a navegação.
E, para aqueles que enxergam contradição em praticá-la ouvindo um bom e velho rock and roll gravado em vinil, lembro que preservar certas conquistas da humanidade dos efeitos negativos das inovações é também atitude. É difícil imaginar o tamanho do mal que a onda de remasterização destrutiva dos 1990 provocou. Até hoje ela impede os nativos digitais de ouvir a verdade ;-)