Um sintoma importante de que o futuro do trabalho já está aqui é a grande quantidade de pessoas que não mais deseja ter um emprego tradicional. Uma recente pesquisa do DataFolha mediu que 50% dos brasileiros preferem ser autônomos a pagar os impostos da carteira assinada. E isso chega a 73% entre os profissionais liberais. Nesses números estão muitos dos que viraram PJ, ou por precarização ou porque cansaram de pagar e não receber. São sintomas de crise econômica e da falência de um modelo de bem-estar que por aqui, vamos combinar, nunca vingou.

Para quem já transita na nova economia digital esses números dizem o óbvio. Claro! Quem é que quer emprego? (Digo isso em público e os jovens sempre sorriem, os mais velhos franzem a testa).

Acho que já dá para medir objetivamente o quanto a pessoa está inserida na nova economia pelo quanto ela deseja um emprego. Quem já entendeu a mudança não quer emprego, quer montar seu próprio negócio, sua start-up. Nunca o sonho de virar milionário pelos próprios méritos esteve tão em alta e tão próximo de tanta gente. Tem vários tutoriais no YouTube. Tem a Singularity University. A abundância do Peter Diamandis (ei, não vá me dizer que você ainda não segue o cara!). Quanto mais próximo você estiver das novas tecnologias, do design thinking e do inglês, mais tudo isso fica evidente.

Claro que o problema é que nem todo mundo está na mesma página. E além do gap de conhecimento e da educação, tem o gap etário, o gap da renda, o gap de oportunidades, o gap da regulação. Vários gaps. Estamos em uma transição. Uma transição complexa e bem difícil.

No curto prazo teremos muitas forças conservadoras atuando, de direita, de centro e de esquerda, atravancando as mudanças necessárias. O Brasil é particularmente bom nisso. Na dúvida, deixa como está. A maioria nem vai perceber que ficar parado, na era digital, é igual a ficar rapidamente para trás, exponencialmente para trás.

E ações absolutamente urgentes e importantes serão lidas como inviáveis, indesejáveis, impraticáveis. Distantes, muito distantes.

Daí que trago mais um tema urgente e difícil que precisa estar presente no debate: a renda mínima universal. Fundamental para nosso futuro mas quase sempre carimbado como utópico, idealista. Mas já parou para pensar o quê acontecerá quando a produção depender cada vez menos do trabalho? Ainda mais em um país deitado eternamente em produção e consumo?

No esquema atual, sem trabalho significa sem renda para a maioria. O dilema: preservar o trabalho rotineiro dessa maioria vai atrasar a modernização da economia e nos manter pobres; acelerar a digitalização sem equacionar o problema da renda vai também nos manter pobres. Sem uma alternativa universal e consistente de renda, as pessoas que dependem do trabalho de rotina serão contra a automação e a digitalização. Precisamos, ao invés disso, encarar o desaparecimento dos empregos de rotina como algo bom, como chave para uma sociedade menos desigual, próspera, criativa e que se ocupe de atividades mais ricas em significado.

Para que não reste dúvidas sobre a urgência da agenda renda mínima universal, sugiro duas leituras. Uma para cada lado do espectro político. Olhando o tema pela esquerda, importante lembrar que a opressão do trabalho rotineiro e alienante é força motriz do pensamento de Marx, os instigantes Srnicek e Williams (Inventing the Future: Postcapitalism and a World Without Work. London: Verso, 2015) defendem enfaticamente a estratégia de acelerar a automação combinada com renda mínima universal diante desta grande chance na história da humanidade: a libertação do trabalho, o fim da opressão e a possibilidade de organizar a sociedade para usufruir de uma economia de abundância. Pela direita, um livro escrito pelo empreendedor do Vale do Silício Martin Ford (Rise of Robots: Technology and the Threat of a Jobless Future. New York: Basic Books, 2015), premiado pela McKinsey e elogiado pela Forbes, converge para a mesma defesa, ainda que por outra via: a digitalização tende a produzir uma sociedade desigual e desempregada e isso não é bom para a saúde da economia e dos negócios. É preciso repensar a equação e criar novos incentivos para a produção e a prosperidade.

A complexidade da transição para a nova economia requer novas ideias. Enxergar o big picture e o tamanho de seus desafios. Agir aqui e agora experimentando soluções.

Estou hoje convencido que as principais prioridades para que tenhamos algum futuro no futuro do trabalho estão em equacionar novos modelos para a renda e para a educação. Ambos são fatores decisivos contra os muitos gaps que nos paralisam. São os grandes temas que precisam ser discutidos e compreendidos para que as soluções pontuais façam sentido.

Com relação à educação, na Parte 2 desta série tracei um panorama geral dos caminhos para escapar das armadilhas nas quais velhos modelos mentais e institucionais nos aprisionaram. Na Parte 3 dei pistas sobre que tipo de protagonismo faz sentido almejar na nova economia digitalizada, de modo a viabilizar prosperidade e condições para a renda mínima.

Encerro esta série quatro de artigos extraídos dos debates que participei, puxados pelo agora extinto Ministério do Trabalho, insistindo no mesmo senso de amplitude conceitual e urgência prática com o qual iniciei a Parte 1.

Aproveito o fecho para uma confissão. Fomos incluídos nessas audiências do Ministério do Trabalho para falar dos “desafios da requalificação profissional frente as novas tecnologias e o futuro do trabalho.” Mas se você leu as quatro partes desta série percebeu que demos um belo chapéu no tema. Afinal, tratar do futuro do trabalho pelo viés da requalificação profissional é tão insuficiente quanto aprofundar nos detalhes das cifras do seguro desemprego. Tentamos delicadamente escapar disso. Não faz sentido focalizar as pedras das ilhas se o problema é o oceano. É preciso mudar muita coisa no arcabouço institucional do trabalho e da educação. O presente, tal como está montado, com suas regras rígidas, antigas, CLT, FGTS, FAT, essa turma toda, não tem muito como contribuir com o futuro.

Do nosso lado, por dever de ofício, temos que persistir no alerta: a educação, vocacional inclusa, não pode ser a mesma se quiser preparar as novas gerações para um mundo diferente. O mundo sem o trabalho rotineiro e os empregos rígidos que conhecemos será um mundo muito mais exigente intelectualmente e moralmente. A economia será automatizada, mas nossas experiências, até porque teremos mais tempo para isso, serão mais humanas. Para o bem e para o mal. Teremos que estar à altura.