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O futuro do trabalho | parte 2

O que está acontecendo hoje com o ensino? Os impactos da digitalização estão causando profundas mudanças no trabalho e serão acompanhados por não menos profundas mudanças na educação, nas escolas e no papel dos professores.
O aprender estará cada vez mais conectado com o trabalhar. Será difícil dizer qual puxará qual. No cotidiano das pessoas, trabalho e aprendizagem ocorrerão sempre em interação, um moldando o outro. De modo que, se a escola resistir muito a se modernizar, ela irá atrasar a modernização do trabalho e da economia. E, se a economia e o emprego se manterem antiquados e travados, isso esvaziará o sentido das tentativas de modernização nas escolas.
O jovem que alcança uma qualificação que ultrapassa os empregos e salários disponíveis fica, com razão, frustrado. O jovem que recebe uma educação sem sentido e se sente distante e sem chances de conseguir trabalhos valorizados, mais ainda.
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Quando se lê esse tipo de notícia fica claro que tamanho desencanto não pode ser apenas conjuntural, mero efeito colateral da crise ou de sonhos inalcançáveis propagados via Internet. Há um componente estrutural do problema que não pode ser negligenciado.
Muitos jovens com diploma superior tentam a vida no exterior e percebem lá que não são assim tão bem qualificados. Descobrem, num choque de realidade, o quanto nosso país está para trás. O quanto nossa escola é antiga, nossa economia é tímida e nossas relações de trabalho tuteladas. Já destaquei na primeira parte desta série que precisamos urgentemente repensar a escola e o emprego no Brasil porque seus fundamentos institucionais estão estruturalmente disfuncionais e se auto-reforçam em direção ao passado. Eles simplesmente não dão conta dos novos desafios do digital e de fazer prosperar uma sociedade moderna.
Felizmente, em contraste, há muitas novidades que merecem ser acompanhadas, valorizadas e disseminadas. Há uma crescente lista de opções no universo dos MOOCs, das Edutechs e das escolas experimentais, e muita gente no Brasil já está engajada nessas alternativas.
O que preocupa é que a escola de massa, especialmente nos níveis fundamental e médio, mas também no superior, ainda permanece culturalmente paralisada. Mudanças estruturais profundas são necessárias. Nessa estou com o Anderson Criativo:
Não precisamos de uma escola melhor, precisamos é de uma outra escola.
Então vamos lá, exercitar um pouco de ousadia. Preparem-se para reconfigurar algumas ideias antiquadas que foram colocadas em vossas cabeças no que diz respeito a escolas e educação. Você já se perguntou quais serão os impactos estruturais que o digital vai causar no ensino?
Adeus sala de aula
A lógica de juntar todo mundo, todo dia, em uma sala para ouvir um professor é do tempo em que o acesso à informação era difícil. E para funcionar era preciso silêncio, atenção e as pessoas não deveriam interagir a não ser com o professor. Assim se ganhava escala e organização. O que muitos professores formados nesse modelo ainda não se deram conta é que para o nativo digital ser obrigado a aprender quieto em uma sala de aula, ouvindo um professor mediano falar horas, dias seguidos, beira o surrealismo.
Precisamos entender que frequentar fisicamente um lugar chamado escola passa a ser apenas parte do processo de aprendizagem. E razão de ser desse lugar não é ficar sentado quieto. Muito pelo contrário, é a de encontrar pessoas e interagir. A escola é para cultivar relacionamentos, interesses, curiosidade e estabelecer conexões entre assuntos, pessoas e oportunidades. Isso posto em prática, ir atrás de conteúdos, estudar quieto, aprofundar, é algo que se pode fazer sozinho e de qualquer lugar.
Currículos personalizados
Por que insistimos na formação de muitos iguais, na mesma forma, para ocuparem funções recheadas de rotina da era industrial? Nossos currículos, homogêneos e detalhados, especialmente nos ensinos médio e superior, estão infelizmente firmemente orientados para esse objetivo.
A sociedade e as tecnologias de produção são hoje muito mais complexas e é até curioso observar como persiste o fetiche do “caminho padrão de aprendizagem” nas duas respostas típicas que nos oferecem a esse desafio: o aumento na quantidade de conteúdos e a fragmentação dos cursos em sub-sub-subespecializações. Resultado? Gente estressada e ainda assim incapaz de lidar com os problemas complexos de hoje.
A resposta correta à atual velocidade e complexidade das tecnologias é abandonar a premissa de homogeneidade e focalizar em fundamentos (línguas, lógica, programação e humanidades), métodos (científico, expressão oral e escrita, resolver problemas) e dar condições para que cada um construa ativamente seu próprio repertório de conhecimentos especializados. E mais importante: precisamos aprender a nos relacionar e a combinar nossas individualidades, porque só assim problemas mais e mais complexos poderão ser efetivamente tratados. Em breve, não haverá mais especialistas individualmente relevantes.
Uma outra lógica de certificação
A diversidade de caminhos de aprendizagem virá acompanhada de um outra lógica de certificação. Minors e microdegrees são exemplos de certificados parciais e complementares que irão ganhar espaço daqui para frente, associados a cursos que permitam adquirir diferentes competências específicas a qualquer tempo e em qualquer ordem.
O filósofo francês Pierre Lévy, desde seu livro Cibercultura de 1997, já previa o esvaziamento do ideal de profissão como projeto de vida. Previa também que as pessoas iriam mudar cada vez mais frequentemente de campo de atuação e seriam atestadas mais pelos diversos “brevês” adquiridos no caminho e pela validação dos pares do que por diplomas obtidos na juventude ou fora de seus contextos de atuação. Vinte anos depois, é evidente a importância crescente do portfólio de projetos, das redes de relacionamento e da diferenciação profissional na carreira das pessoas. (Acho que os inventores do LinkedIn leram esse cara…)
O fato é que os certificados acadêmicos ficarão relativamente menos importantes com o tempo. A validação social, incluindo a de conselhos e ordens profissionais, serão mais legítimas do que qualquer certificação outorgada pela própria escola.
O novo papel do professor
Em contraste com o ocaso das salas de aula, dos currículos tradicionais e dos diplomas, a figura do professor deverá ficar mais importante. Isso porque o professor é e continuará a ser o legítimo portador do fator humano. Mas seu papel deverá mudar, não haverá espaço para a docência nas formas tradicionais de transferência de conteúdo em salas de aula. Todas as rotinas vão para a rede, para os games, para os MOOCs.
O professor será o responsável por estimular, e amplificar, os diversos componentes subjetivos envolvidos na aprendizagem e estimular os alunos em suas trilhas individuais de desenvolvimento.
Uma boa escola terá professores no papel de animadores, mentores, orientadores, conectores. Um corpo docente com diversidade, mesclando especialidades, experiências profissionais e referências culturais. A dedicação exclusiva à docência não será predominante, será essencial que os professores exerçam atividades também em outros contextos da sociedade. Só assim eles poderão ter sinais mais claros das oportunidades relevantes e aperfeiçoar, em si próprios, as competências sócio-emocionais e relacionais que serão determinantes para o sucesso de seus alunos.
Antes que seja tarde demais
Mauro, até parece que um dia teremos no Brasil escolas públicas sem sala de aula, sem currículos definidos e sem professores agindo como meros professores!
Não me entendam mal, meu objetivo aqui é mostrar como os impactos da digitalização evidenciam as estruturas antigas que insistimos em manter. E que a mudança é possível, tecnologicamente viável e socialmente desejável quando entendemos que ficar onde estamos é acelerar para trás. Dá uma olhada nas Escolas 42, ou na Minerva, e depois se espante ao saber que os egressos dessas escolas estão entre os mais valorizados hoje no mercado de trabalho.
O desafio na mesa é destravar uma institucionalidade que nos prende ao ciclo vicioso de reprodução de um modelo progressivamente disfuncional, que ainda constrói e equipa escolas como há 100 anos; que nos ancora a currículos, certificações e controles corporativos; que contrata professores por critérios exclusivamente acadêmicos e os oferece (des)incentivos e carreiras que, na prática, aceleram a sua obsolescência.
É preciso encontrar caminhos para destravar o potencial de nossos jovens. Antes que seja tarde demais. Há muitas experiência interessantes acontecendo pelo mundo, muitas delas inspiradoras. É preciso senso de urgência para corrigir os rumos da educação. Teremos que esperar a catástrofe do emprego-trabalho para mudar o que chamamos hoje de educar as pessoas? Temo que, nesse caso, não teremos muito como remediar.
No próximo artigo desta série falarei sobre os riscos que estamos correndo.