4 minutos de leitura
O futuro do trabalho | parte 1

O Ministério do Trabalho organizou uma série de audiências públicas nos últimos meses de 2018 para discutir o futuro do trabalho e os desafios que as mudanças tecnológicas em curso trazem para as políticas públicas e o arcabouço institucional vigente.
Tive a oportunidade de estar nos debates em São Paulo e no Rio de Janeiro, junto com o parceiro Luiz Tozi, e chamar a atenção para alguns pontos que também estão no cerne dos desafios que se colocam para a educação e ainda não são claramente ou amplamente percebidos, muito por causa de um descompasso geracional (agravado por nossa rigidez institucional e cultural) que ainda mantém nos postos de tomada de decisão muita gente que foi formada e treinada para uma realidade que rapidamente está perdendo a validade.
Então é sempre bom reforçar, usando as palavras de Werner Vogels, CTO da Amazon:
o futuro do trabalho já está aqui, a questão importante é saber se você já está ou não nele.
No meu papel de inovador no Centro Paula Souza, faço sempre esse exercício de olhar para o presente pela perspectiva do futuro, assumindo que o meu trabalho é exatamente o de remover as barreiras para que os jovens possam se desenvolver mais facilmente em direção a um futuro mais interessante.
Existe um claro paralelo nos desafios do emprego e da escola. São duas instituições que no Brasil estão rigidamente confinadas ao paradigma industrial. Mas o digital está mudando toda a regra do jogo, cada vez mais ideais tidos como óbvios e desejáveis estão se tornando disfuncionais. Emprego, profissão, formação, diploma, toda a ordenação institucional por detrás dessas palavras, se não cuidarmos de consertá-la, vai acabar nos limitando. De verdade? Já nos limita. Nos mantém mentalmente presos ao passado e bloqueia um enorme potencial de desenvolvimento humano e econômico.
Mas como assim, Mauro? Você não está exagerando?
Nem um pouco. No mundo digital tudo dobra a cada 18 meses! Temos dificuldade para lidar com o crescimento exponencial e não temos referências na história de algo assim. Mesmo as enormes transformações que foram vivenciadas no século XX não são páreo para a velocidade da digitalização. Economia e sociedade estão mudando e isso vai acelerar. O digital está entrando em tudo. Lembre-se sempre: software will eat the world.
Nossas instituições definitivamente não acompanham esse novo ritmo e funcionam como freios, aqui e no mundo todo. Há muitas possibilidades de aplicações de tecnologias e negócios que já são tecnicamente viáveis mas não acontecem por causa dos mais diversos bloqueios institucionais ou porque simplesmente ainda não foram percebidas pelas pessoas. Não vemos o que não conhecemos, e não podemos conhecer se não tivermos os canais, o ambiente propício, para isso! Os países que forem capazes de destravar suas instituições, estrategicamente e corretamente, vão avançar relativamente aos demais.
Especificamente sobre o trabalho, algumas tendências já estão ficando claras:
-
Atividades rotineiras serão feitas por máquinas e, portanto, não será mais necessário treinar pessoas para realizar atividades rotineiras. As pessoas serão necessárias para tudo que não for rotina, incluindo o desenho e o aperfeiçoamento dos processos subjacentes às rotinas. Por isso, saber resolver problemas é a habilidade mais importante.
-
Também será ocupação humana tudo o que necessitar criatividade, empatia, subjetividade. Por isso, é preciso aprender a trabalhar em grupos heterogêneos, cultivar relacionamentos, conhecer a fundo apenas algumas tecnologias e métodos e ser capaz de combiná-los com outros, que quase sempre serão dominados por outras pessoas.
-
Por não estarem mais ligadas às rotinas de produção, as ocupações não serão permanentes. Sai o emprego fixo e entra o projeto, em arranjos dos mais variados. As carreiras das pessoas serão necessariamente mais turbulentas, senoidais, com constante reinvenção pessoal e aprendizagem. Os ambientes de trabalho não serão mais fixos, as pessoas tenderão a frequentar diferentes lugares para realizar seus trabalhos. É preciso circular para ampliar relacionamentos e repertório. Sai a baia, entra o coworking.
-
As relações em rede, abertas, dinâmicas predominarão sobre as hierárquicas porque serão cada vez mais baratas e eficientes nos novos contextos digitais. Método, repertório e relacionamentos se tornam mais importantes do que conteúdo e experiência.
-
O valor intangível, imaterial, do conhecimento crescerá frente ao valor tangível, das coisas, do material. Crescimento, produção, materialidade são para as máquinas. Para pessoas, outros valores: propósito, sentido, realização.
-
Cada uma dessas proposições daria assunto para pelo menos mais um artigo (quem sabe um dia). Recomendo aos céticos e curiosos que queiram aprofundar no tema dois livros que me impactaram bastante: The Second Machine Age (de Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson) e Rise of the Robots (de Martin Ford).
No próximo artigo desta série sobre o futuro do trabalho vou falar de algumas tendências na educação que estão tentando encontrar respostas para o futuro que nos espera. Já existem alternativas concretas para o novo e é importante conhecer, e reconhecer, essas experiências.